segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O solstício de inverno





Mostrar algo novo através da arte
Transcender
Dizer o indizível
Ver o invisível
Sentir a dor do mundo mastigando meia dúzia de palavras nos dentes
Sair da pele
Passar pelos poros
Deixar a dor na boca do estomago gritar pela garganta seca
Calar
Ouvir
Desamar
Aos olhos do gigante eu paro
Respiro
Não me movo
Ele esta atento, pálido, frio 
pode atacar a qualquer momento
Prestes a esmagar todos meus desejos
Cada movimento
som
gesto mal engolido
pensamento
desprezível
Suja
Esquecida e atropelada
Abandonada pelo abandono do que não foi
Rasgada pela palavra dura
Escorregadia
Turva
Cinza
Amarga
Ficar surda ao me sentir
Abandonar a mim mesma
Transformar
Criar outra forma de ver e ouvir
De sentir
De ser
Valeu a pena
Nunca saberemos
Quem sabe na próxima primavera
Ou no próximo desamor
Eu vou embora
Quero voar para longe
Sentir os girassóis
Navegar no resto de mim
Criar
Seguir
Muitas Anitas passaram por mim...

Sol Silveira


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

02:18



Insônia
Todos dormem
O silencio perturbador da madrugada
Nada...
O caos de todos os sonhos de agora,
Imaginando a infinitude de todos eles,
A alma livre
Leve
Percorrendo estradas desconhecidas
Quantas e quantas pessoas nesse momento nessa estrada
A agitação invisível de todos eles, entrelaçados numa rede inacessível aos que não enxergam
“Murmúrios de uma madrugada sem vida”
Pensar...
O pensar de amanhã não será mais acessível como agora
Os olhos não enxergarão a mesma verdade
A vontade de mil coisas a fazer
Dançar...
Ler todos os livros da estante?
Amanhã o cansaço dói
Silencia o corpo
Apaga o segundo de agora
Não existe mais
Foi!
Deixou de ser
Inexiste
Somente um sopro frio na memória
Desreal

Sol Silveira

Vendidos a preço de papel


Disciplina: Teatro Brasileiro II – Artes Cênicas UFG

Vendidos a preço de papel



Plínio Marcos, na peça “Homens de Papel” escrita em 1967, faz uma crítica a, sociedade e ao processo de alienação do homem ao regime capitalista.

A peça mostra a opressão social sobre os indivíduos, e sobre as estruturas sociais, os catadores de papel são pessoas que vivem numa situação de exclusão e marginalidade social.

O texto mostra a realidade e o dia-a-dia de um grupo de catadores de papel, que tentam sobreviver à margem da sociedade, excluídos do sistema, enfrentando a desigualdade e desamparo social, o subemprego, a falta de educação, saúde e dignidade. Humilhados os homens de papel, não vêem saída do ciclo vicioso de subordinação em que se encontram, e acabam por se sujeitar a exploração e opressão de quem é detentor do poder.

Os personagens se tornam passivos da exploração do subemprego e da sujeição e dominação do sistema. Impotentes acabam submetidos à repressão, violência e exploração, seja ela, moral, física e sexual.

A marginalidade dos personagens mostra as relações humanas deformadas, re-configuradas e re-moldadas pelo sistema capitalista, onde os valores humanos e sociais são vendidos a preço de papel.

Plínio Marcos denuncia problemas sociais ainda muito atuais em nossos dias, como o descaso do governo com a sociedade menos favorecida, a banalização da violência, a lei dos mais fortes, a corrupção, a violência sexual contra as crianças e mulheres, o desemprego, a injustiça, a impunidade na lei dos homens.

Sobrevivendo a essa “Selva de Pedras”  consumista e desprovida de valores morais, onde os fracos não têm voz e nem vez, são ignorados pelo sistema, são considerados uma “falha no sistema”. Ignorados e enxotados pela sociedade hipócrita, se confundem com o próprio lixo, jogados às margens de uma sociedade suja e poluída.

domingo, 4 de setembro de 2011

Diário Psicologia da Educação II - Artes Cênicas UFG





Diário: 04 de Setembro de 2011

O Pensamento atrás das palavras
Sempre estamos pensando, o tic-tac incontrolável dos pensamentos, uma maquina veloz, que não encontra fronteiras de tempo e distância.
É muito interessante pensar que enquanto falamos, simultaneamente, conseguimos pensar em outras coisas, pensar nas formas de construções e relações entre os pensamentos e a linguagem...
Como desenvolvemos essas relações com o tempo
Aprendizagem
Conhecimento
Desenvolvimento
Infinito
Pensar
Estar
Ser
Sentir
Ver
Pensar, pensar... a liberdade do caos das idéias
Tic-tac penso
Milhões e milhões de tic-tac pelo mundo!
Uma rede invisível de mentes pensantes
Psicologia
A arte de desvendar o caos dos pensamentos

Sol Silveira

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Observando Corporeidades

Foi retomando a pesquisa das obras de Frida Kahlo, que realizei minha observação de corporeidades, então percebi que agora tudo estava interligado, a pesquisa sobre a mulher, Frida, Cora, força, fragilidade, poder, loucura, desejos... Todos os sentimentos interligados na totalidade da feminilidade, o significado e significante de ser MÃE. A Mãe natureza, que gera o mundo, alimenta a Terra, suas raízes, galhos, folhas, sua capacidade de gerir toda a existência da vida, frutos, alimentos. A água que mata a sede dos sedentos, o útero do universo, sangue, vida, calor, frio, morte. As raízes são como o cordão umbilical se entrelaçando nos seres e alimentando a terra, a ligação divina entre os seres. O poder de gerar a vida, de se doar, transformando-se parte do todo e de tudo. A dor do amor da doação e da entrega.
 Busquei novas corporeidades, energias, olhares, gestos, sentimentos, sentidos, emoções, cores... Observei a corporeidade de uma árvore com seus imensos galhos e suas folhas dançando sobre o vento, o movimento da coluna foi influenciado por essa dança enlouquecida da natureza, vai, vem, sobe e desce, gira e cai...
Realizando essa vivencia de imagens e elementos no meu próprio corpo, fez com que eu me sentisse parte desse todo, ouvir o silêncio dos seres, e deixar me levar por essa energia em que estamos envolvidos a todo o tempo, porem não percebemos. A movimentação partia da minha coluna, e através dela se estendia para meus braços, pernas, pescoço, cabeça, deslizando, girando, torcendo, pulando, os pés estão firmes no chão, enraizados na terra, depois eles ficam leves como o ar, como a água. E o sol está sobre mim!

Sol Silveira
A dualidade, ligada pelo sangue, pela vida e pela morte. O Duplo Materno (Sol e Célia) ligadas pela loucura de existir e de ser, sentir...

O Cordão da vida, o filho, a vida e a morte. Útero inválido! A dor do não existir.
A mãe universal que envolve o todo existencial, as plantas, planetas, sistemas, as raízes nos corpos.

Uma entrega completa a natureza, suas raízes entranhadas no meu ser.




O leite que alimenta a terra, a água, o ar e os seres.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O Nascimento do Cisco - Parte II

Sinto as batidas do seu coração junto ao meu
Te sinto em mim
Seu gosto está em mim 
Quero ver seus olhos olhando nos meus
quero sentir sua mão segurando a minha
Vem! 
A dor não dói 
Preciso gritar!
Quero rir e chorar
Correr e dançar...
Vem dançar comigo? Vem?
Um gozo infinito
Vem! Me queira! Me consuma!
Quero ser o seu ar, sua comida, sua agua, o leite que te alimenta...
Sinta meu suspiro, minha respiração, meu amor!
Seja parte de mim e eu serei parte de você, para sempre...
para todo o infinito!
Pelos poros
Pelo sangue
Pela vida!
Vem...
Seja livre
Corra
Não se suje completamente de mim!
Não se contamine dessa loucura de amar
Amar dói, fere, mata...

Sol Silveira

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Nascimento do Cisco

Cena da disciplina Montagem do Espetáculo I - Artes Cênicas - UFG
Atores: Thiago Santana e Sol Silveira
Filmagem e Iluminação: João Bosco Amaral

terça-feira, 17 de maio de 2011

Come and Go

O som estúpido do silêncio
3 Marias suspensas no ar
Marionetes?
Não!
Ah Algodão doce.
rosa.
cinza!
chuva?
guarda-chuvas
aparece desaparece
desliza nas nuvens escuras verde-musgo marfim mostarda agrião e alecrim
Solidão
Cochicho sagrado
Acredita?
Ohhh!
Imóveis em móvel
Silencio calmo e pavoroso
cadê a legenda
curiosa e fria
imagens imagéticas imagináveis inaceitáveis inacreditáveis inválidas intactas imperdoáveis lameeeeentáaaaaaaveis Ufa!
Performaticas?
Lastimáveis!
Aram.
Bye bye Beckett

Sol Silveira

domingo, 3 de abril de 2011

CENTENÁRIO DE FRIDA KAHLO


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Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón- pintora mexicana (1907 – 1954)

 Nascida em 6 de julho de 1907, a pintora faleceu aos 47 anos, no dia 13 de julho de 1954.
Artista cuja existência foi permeada por episódios trágicos, sua obra é marcada pela expressividade soberana de uma arte sagaz sob uma estética surrealista.
Frida revela em suas telas o grito surdo de sua dor ante as adversidades de sua vida e seus descaminhos amorosos ao lado do muralista Diego Rivera.
Frida abre as portas de seus traumas ao público, expondo seu débil corpo em representações profundas e chocantes.
thebrokencolumn44c.jpg
A Coluna Quebrada
Sua obra e vida nos permite olhares diversos.
Nascida em meio à Revolução Mexicana, com raízes em dois universos distintos – filha de um judeu austro-húngaro e de uma descendente indígena mexicana -, Frida revela em sua obra condições históricas conturbadas, refinamento estético e um misticismo marcado pela sua relação com a morte e com a dor.
kahlo.jpg
Duas Fridas
Frida foi uma mulher partida ao meio, fraturada, rasgada, fragmentada pela sua conflituosa existência. No entanto, resistente e surpreendente.
Contemplar sua obra é uma zona de atritos: difícil não sofrer efeitos estético-político-filosóficos ao observar suas telas.
Um olhar estético possível sobre sua arte nos remete à análise do filósofo, historiador e epistemólogo francês Michel Foucault, do quadro de René Magrite, Isto não é um Cachimbo (ver imagem abaixo).
Quadro: René Magrite - Isto não é um cachimbo
Isto não é um cachimbo – René Magrite
O texto de Foucault (cujo título é o mesmo da tela de Magrite) analisa o uso conjugado da palavra e da imagem. É como um caligrama (textos cujos caracteres compõem uma figura relacionada com a mensagem que se quer expressar), onde a palavra escrita reforça a imagem e a imagem reforça a palavra escrita em uma espécie de exercício de tautologia, no qual imagem e palavra reforçam um mesmo conceito.
auto-retrato-com-cabelo-cortado.jpg
Auto-retrato com Cabelo Cortado (na inscrição acima de Frida, lê-se:
“Mira que si te quise, fué por el pelo, ahora que estás pelona, ya no te quiero”
- Olha, se te amei foi pelo teu cabelo, agora que estás careca já não te quero.)
Esta pintura marca um grito de libertação de Frida, assolada pela dor do adultério de seu marido com sua irmã, Cristina. Ao negar-se os atributos femininos que Rivera tanto apreciava (as vestes tehuanas e seus longos cabelos), ela se afirma enquanto uma pessoa livre. Seus cabelos espalhados pelo chão são um retrato da desordem de sua própria alma, picotada pela dor de ver sua irmã e seu marido juntos.
A misteriosa imagem de Frida nesta tela, reforçada pelo mistério das palavras é inspiração em estado bruto; é a expressão do intangível e o aval para um olhar multiplamente agregador de sentidos, o que confere à sua obra uma condição ontologicamente de Arte.
A obra de Frida é um convite ao pensamento. Sua verve inebriante é transmitida em calafrios aos olhares que vislumbram suas telas.
Frida não foi só uma artista, ou uma mulher. Foi um acontecimento à parte no século XX. Um meio-dia e um profundo esgar da alma.
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O Amor abraça o Universo


FRASES DE FRIDA KAHLO



''Algum tempo atrás, talvez uns dias, eu era uma moça caminhando por um mundo de cores, com formas claras e tangíveis. Tudo era misterioso e havia algo oculto; adivinhar-lhe a natureza era um jogo para mim. Se você soubesse como é terrível obter o conhecimento de repente - como um relâmpago iluminado a Terra! Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. Minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria.''

"Sinto-me mal, e ficarei pior, mas vou aprendendo a estar sozinha e isso já é uma vantagem e um pequeno triunfo."

"Pensaram que eu era surrealista, mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade."

"Eu sou a desintegração."

"Creio que o melhor é partir, ir-me e não fugir. Que tudo acabe num instante. Oxalá"

"Espero alegre a saída e espero nunca voltar."

''Diego está na minha urina, na minha boca, no meu coração, na minha loucura, no meu sono, nas paisagens, na comida, no metal, na doença, na imaginação.''

''Ele leva uma vida plena, sem o vazio da minha. Não tenho nada porque não o tenho.''

"A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança..."

''Pinto a mim mesmo porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor.''

''Origem das duas Fridas. Recordação. Devia ter 6 anos quando vivi intensamente a amizade imaginária com uma menina de minha idade. (...) Não me lembro de sua imagem, nem de sua cor. Porém sei que era alegre e ria muito. Sem sons. Era ágil e dançava como se não tivesse nenhum peso. Eu a seguia em todos os seus movimentos e contava para ela, enquanto ela dançava, meus problemas secretos. Quais? Não me lembro. Porém ela sabia, por minha voz, de todas as minhas coisas...''

''Amputaram-me a perna há 6 meses, deram-me séculos de tortura e há momentos em que quase perco a razão. Continuo a querer me matar. O Diego é que me impede de o fazer, pois a minha vaidade faz-me pensar que sentiria a minha falta. Ele disse-me isso e eu acreditei. Mas nunca sofri tanto em toda a minha vida.Vou esperar mais um pouco...''

"Diego, houve dois grandes acidentes na minha vida: o bonde e vc. Vc sem dúvida foi o pior deles."

“Bebo para afogar as mágoas. Mas as danadas aprenderam a nadar.

domingo, 13 de março de 2011

Formigas Mortas


Debaixo do meu travesseiro
O que querem?
Roubar meus sonhos?
Entrar na minha cabeça?
Estou leve como nunca estive
Livre
Descobrindo
Não tão lúcida o bastante
As formigas sim são lúcidas
Mas elas sempre estão debaixo dos meus sonhos...
Dezenas delas, todas as manhas do meu sol

Sol Silveira - 10/01/09

Crespíssimas, os Pés atrevidos


A caminho da sábia senhora dos becos, o sol surgiu ensolarado e quente sob os olhares silenciosos da grande Serra Dourada. Ao chegar os pés ansiosos correram e ficaram nús, deitaram logo sobre a terra histórica. Queria ouvir seus gritos e ecos, degustar seu cheiro.

As Crespíssimas, correram dos pés aos braços, cochicharam nos seus ouvidos, foram esmagadas pelos pés e depois num circulo surdo começaram a percorrer enlouquecida pelas costas, ombros e pescoços.

No escuro se ouvia com maior claridade o quanto os pássaros estavam inspirados e afinados naquela manhã.O vento discreto acariciava calmamente o medo. Os pés inseguros não queriam sair do lugar.

De repente as vozes invadiram o túnel azul escuro e inquieto. As vozes corriam em várias direções, elas traziam esperança e conforto, dava segurança aos pés trêmulos e desesperados.

Sol Silveira - 2010


“Eles dançam...” responde o braço esquerdo ao direito.
Ahh esses Pés! Resmunga o braço direito.
 
Na dobra da rua passa a Maria Fumaça rasgando o tempo, ao som dela na sala de estar os pés dançam e riem. Brincam com as uvas espalhadas no chão.
Daqui de dentro eu ouço todos os sons e ruídos, diz o taco da madeira apressado.
O Tic-Tac do relógio central anuncia o grande espetáculo: A gangorra humana!
Pés e Braços prontos inspiram e expiram profundamente. Os braços sorriem mesmo com a ausência da música.
Inicia-se então a grande ópera dos pés! Contraídos e se libertando com o último fôlego de ar. Os braços querem voar mais alto, eles gritam e expulsam todo o som de sua existência.
Juntos pés e braços caminham em direção ao foco.
Grotowski se levanta, pega seu chapéu preto e sai em silêncio.

Sol Silveira - 2010 

segunda-feira, 7 de março de 2011


Um ponto
Cor
Sabor
Cheiro
Lembrança
Experiência
Sensações
Cada um tem sua própria janela,
A janela da alma...
Que pode estar aberta, fechada, confusa, entreaberta
Cada ponto tem sua vista
Um momento
Devemos abrir a porta para o olhar
Permitir-se
Sentir-se
Explorar-se


sexta-feira, 4 de março de 2011

Ahhhhhhhhhhhhhhh

O grito sufocado na garganta adormece o corpo.
Asfixia a alma 
Pobre empalidecida
rota
maltrapilha
Corpo imóvel, triste e calado
Pensamentos incontroláveis
Voz trêmula
Grito mudo, 
Muda?
Nada...
Continua lento, rápido, feroz, esfomeado, rangendo os dentes
Alho, cebola, tomates, manjericão...
Vai?
Ainda não!

Sol Silveira - 04/03/11

Pedras no caminho

Pedras,
Pedrinhas,
Contadoras de historias,
fofoqueiras,
mexeriqueiras,
Lavadeiras cantarolantes,
Nos seus becos sussurram baixinho seus desejos
Serra Dourada envolvente e sabichona, sabe todos seus segredos, enquanto a lua cheia do alto, delirante, sorri e chora.
Silencio, Silencio! Ela está no quintal!
Fazendo doces?
Não.
Ah! Ela tá lá, acalmando seu jardim!


Poesia: Sol Silveira - 04/03/11
Foto: Sol Silveira - 2007

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O Encontro de Frida e Cora

Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera
das obscuras!

Cora Coralina